De Palas de Rei a Santiago de Compostela – 69Km
Cota mínima: 360 metros
Cota máxima: 730 metros
Catedral de Santiago de Compostela
Ah, o meu Caminho de Santigo se encaminhava para o epílogo. Depois de seis intensos dias, já na Galicia, a cidade de Santiago de Compostela era uma realidade próxima. Na verdade, os últimos dois dias de viagem poderiam ser condensados em apenas um, contudo era hora de reencontrar meu amigo francês para cumprimos juntos o trecho final de jornada. Este último tramo galego da Rota Jacobea estava tomado por turistas, na realidade, muitos “caminham” de ônibus apenas os últimos 100Km de peregrinação e colhem carimbos na credencial com o objetivo de, da mesma forma que nós, também obter a Compostelana.
Sinceramente não vejo motivo para me importar com a atitude desses peregrinos-turistas, afinal, de uma forma ou de outra, a fé parecia estar sempre presente em todos, ainda assim a presença deles lotava agora os albergues e tornava, para quem vinha de longe, árdua a tarefa de conseguir um lugar para dormir, uma preocupação que ainda não havia experimentado desde a minha saída de San Jean Pied Port há uma semana.
Em Triacastela só consegui uma vaguinha no terceiro albergue que visitei. Uma casa antiga, como quartos apertados, sem roupas de cama e com poucos lugares para secar as roupas, mas ainda assim desfrutei de algumas regalias como uma bem vinda internet gratuita. A bike ficou guardada em um cômodo caindo aos pedaços, mas era tudo que havia.
Deixando Triacastela o peregrino pode escolher entre um caminho asfaltado até Sarria ou optar por um trecho mais longo, preferencialmente de terra, passando pelo povoado de Samos. Preferi o segundo! Com visibilidade quase zero e paisagens dignas do filme Lobisomem, fui avançando sob chuva sem a mínima idéia do que havia pela frente. Outra vez as rodas grandes da minha Scott Scale 29 Pro transmitiam uma segurança extra, fundamental para um vencer rapidamente esse trecho marcado em toda sua extensão por um característico cheiro de urina de gado europeu, algo que não tenho como descrever, mas que uma vez estando lá, você, blog-leitor, vai com certeza se lembrar deste meu texto.
Em direção ao povoado de Samos sob intensa neblina
Nas proximidades de Sarria encontrei dois peregrinos de monociclo, isso mesmo, bicicletas de roda única. É difícil de acreditar que alguém poderia viajar 800Km assim, mas lá estavam os dois corajosos espanhóis com uma mochilinha nas costas e uma rodinha no chão. A imagem era tão surreal que gostaria de ter registrado, não fosse o desejo dos pilotos dos monociclos de não serem fotografados. Uma pena, mas preferi respeitar. Parei então para o café da manhã.
Saindo de Sarria cruzei um lindo bosque de carvalhais e assim passei a pedalar por estradas de terra relativamente estreitas, cercadas por muros de pedras e cheias de pequenos aclives. Dividia os espaços com um número de peregrinos que nunca havia sido tão grande, hoje fazia falta de verdade uma buzina na minha bike.
Deixando a cidade de Sarria
Tinha uma expectativa grande para chegar a Portomarín, uma localidade cheia de apelo histórico e uma particularidade. Em 1962 a cidade original foi inundada pela represa de Belesar no rio Minho. Suas construções mais tradicionais foram remontadas na nova Portomaríin, um exemplo é a Igreja de San Nicolás construída originalmente no século XII. Confesso que imaginava um lugar mais charmoso, apesar mais uma vez do grande número de turistas em suas ruas. Comi um croissant meio sen graça por lá e preferi seguir viagem.
Até Palas de Rei, onde cheguei às 14 horas, foram mais 24Km, quase todos subindo, mas sem maiores dificuldades. Carimbei minha credencial num posto turístico logo na entrada da pequena cidade, onde fui informado que dificilmente encontraria vaga nos albergues do lugar, o mais incrível é que mal havia começado a tarde num dia de semana e os lugares já estavam todos tomados, efeito do turismo religioso.
Mais uma das inúmeras pontes de pedra no Caminho
Deixo aqui um conselho a todos que pretendem pedalar no Caminho de Santiago. A partir do momento que estiver próximo da região da Galicia, procure reservar os albergues com antecedência. Naquela lista que me deram na secretaria do Caminho ainda em San Jean Pied Port, estavam relacionados a maioria dos albergues espalhados por todo a rota e seus respectivos telefones.
Apesar da informação recebida na entrada de Palas de Rei, percorri todos os albergues da cidade na esperança de uma desistência, entretanto de fato não havia qualquer vaga disponível. Passei então a buscar um quarto de hotel. Depois de muito custo fui encontrar a pensão de uma portuguesa já na saída da cidade. O quarto custava 40 Euros, ou seja, quatro vezes mais que um albergue. Como não havia opção e eu precisava reencontrar meu companheiro de viagem, tive que ficar alí mesmo, num quarto espaçoso, com uma TV que não pegava absolutamente nada e uma banheira que acabou sendo útil para relaxar depois de uma semana de pedal intenso.
No final dessa tarde, já em companhia da Laurent, fui desfrutar da autêntica e maravilhosa culinária galega, mais precisamente estivemos numa Pulpería, um bar típico, especializado em polvo e outros frutos do mar. Confesso que o jantar de fim de tarde foi tão sensacional que me esqueci até da pensão meia-boca onde estava hospedado.
A noite de sono foi tranquila. Despertei muito animado para o último dia de cicloperegrinação. Às seis da manhã em ponto novamente, após uma prece de agradecimento, deixamos para trás Palas de Rei e partimos rumo à apoteose em Santiago de Compostela. Os guias de viagem diziam que esse tramo final não apresentava maiores dificuldades, seriam quase 70 tranquilos quilômetros. Bastou meia hora de pedalada para perceber que os guias não estavam 100% corretos. O Caminho seguia por belas estradas, havia muita sombra, mas o sobe-desce era muito intenso, tanto que a ascensão acumulada do trecho passou de 1.000 metros.
Paisagem extremamente agradável no último dia de pedal
Em oito dias de viagem pessoalmente não havia enfrentado quase que nenhum problema técnico, sequer um pneu furado, o que me deixava muito satisfeito com meu equipamento. Faltando mais de 30 quilômetros para a chegada a Santiago de Compostela, aconteceu o que eu temia todo o tempo em relação a meu parceiro. Estourou o parafuso que segurava o alforge traseiro na bike do meu companheiro de Caminho, juntando o fato dele andar forte nas descidas e, principalmente, carregar mais peso que o sugerido pela Topeak, a “tragédia” era quase que anunciada. Ainda assim, providenciamos um conserto provisório, aliviamos um pouco o peso e minutos depois retornamos ao pedal, afinal nosso destino estava "logo alí".
Neste último dia aconteceu mesmo tudo que faltava. Finalmente encontramos outro peregrino a bordo de uma 29er. Tratava-se de uma simpática mexicana, que fazia parte de um grupo de “ciclistas-playboys” que viajavam sem bagagem e com carros de apoio. Conversamos um pouco e mesmo com nossos alforges cheios, tínhamos um ritmo mais forte e naturalmente deixamos para trás os novos amigos mexicanos.
Eis que numa subidinha tranquila, a cerca de 12 quilômetros de distância da Catedral de Santiago, fui inesperadamente para o chão. Levantei muito rápido e percebi que não iria passar incólume pelo Caminho, naquele instante havia sido brindado com uma corrente quebrada. Coisa simples que consertei rapidamente com um link extra que levava comigo. Por falar nisso, para evitar contratempos e perda desnecessária de tempo, é muito importante carregar sempre na bagagem uma coleção de parafusos variados, links de corrente e cabos. Não precisei usar a grande maioria dos itens, todavia levei comigo ainda duas câmaras de reserva e um pneu extra de kevlar, aqueles de cyclocross, mais leves e fáceis de transportar.
Meu único problema técnico em 8 dias de cicloviagem
A vontade de enfim divisar nosso destino derradeiro era grande, ainda assim Laurent teve que lidar com mais um pneu furado nas imediações do aeroporto da cidade. Enquanto ele trocava a câmara, eu aproveitava para me deliciar com framboesas colhidas diretamente do pé, às margens da estrada.
Framboesas de beira de estrada
Voltando ao pedal, não demorou nada e lá estávamos nós, no sugestivo Monte de Gozo, tendo Santiago de Compostela como pano de fundo. Foi exatamente nesse momento mágico que sentimos toda emoção de uma árdua missão cumprida. Depois de oito dias cruzando a incrível Espanha a bordo de uma 29er, minha peregrinação estava terminando. Paramos para tirar fotos no suntuoso monumento. Assimilada a emoção, seguimos pelos últimos quilômetros de viagem em direção à catedral cujas torres já podiam ser avistadas.
Laurent no sugestivo Monte do Gozo, já em Santiago de Compostela
Ao contrário do que inicialmente imaginávamos, dentro da cidade de Santiago de Compostela propriamente dita não havia nenhum tipo de recepção especial ao peregrino. Já relaxados, pedalamos até a impressionante catedral de origem românica, que começou a ser construída no ano de 1075, mas que com o passar dos tempos agregou outros estilos a sua estrutura, principalmente o Barroco. Na lotada Praça do Obradoiro, defronte à maravilhosa igreja, aproveitamos para tirar a “foto da vitória” e num misto de extrema alegria e considerável cansaço, agradecer ao Apóstolo Santiago pelos inesquecíveis 800 quilômetros completados naquele dia.
Alegria em meu destino final, vencida uma etapa de vida
Finalmente nos dirigimos à Secretaria do Caminho para obter o último carimbo em nossas credenciais e receber a Compostelana, documento comprobatório da peregrinação a Santiago de Compostela, nominal e escrito em latim. Nesse momento me dei conta que terminava uma etapa de vida. A partir dalí me senti renovado para voltar ao Brasil e continuar pedalando sempre pelo caminho do BEM.
Carimbos na Credencial do Peregrino
Hoje deixo meu agradecimento especial àqueles blog-leitores que desde o mês de Agosto passado, com muita paciência, acompanharam aqui no P29BR os relatos desta cicloviagem toda especial pelo Caminho de Santiago. Deixo aqui meu mais sincero muito obrigado!!!
A épica jornada chegava ao fim
Keep 29eriding!
Adil, Parabens pela aventura e pelo relato. Quando puder, detalhe como foi a preparacao, o que vc levou de roupas, peças, 1os socorros, etc..... Abraços, Aurelio
ResponderExcluirOlá Adi, parabéns pela viagem e pelo relato, novamente agradeço por compartilhar conosco suas experiências.
ResponderExcluirVou fazer coro com o Aurelio e reforçar o pedido para que você nos escreva um pouco dos preparativos da viagem.
Abraços
Parabéns Adil pela viagem e muito obrigado pelo relato!
ResponderExcluirTambém refoço o pedido do Aurelio e Hamilton, prepare um post com os preparativos para a viagem, e principalmente os gastos, para possamos nos preparar melhor para o caminho e prevenir incidentes!
Grato
Tiago Tofanetto
A minha pergunta é: Sai muito caro levar as bicicletas no avião?
ResponderExcluirTenho um amigo que quer fazer, mas quer ir com "a turma playboy" de bike alugada, pq acha que o excesso de bagagem custa caro ...rs
Abraços e parabens por essa etapa cumprida.
Eu que agradeço Adil. Linda viagem a sua. Sonho um dia poder fazer o mesmo. E meu muito obrigado por todo os relatos de sua cicloperigrinação.
ResponderExcluirCaro Adil,
ResponderExcluirconheci o P29BR há poucos minutos, mas facilmente se observa a qualidade dos seus post e o conhecimento que tem, então, gostaria de pedir sua opinião/avaliação sobre duas bicicletas, se possível.
Estou pensando em comprar uma Carve Expert 29 ou uma Scott Scale 29 Elite, e gostaria de "ouvir" a sua análise sobre os conjuntos, custo x benefício e o que mais achar pertinente.
Agradeço desde já.
Manfrini
Pô meu, até que enfim!!!!
ResponderExcluirManeiríssimo o relato todo, deveria virar um e-book, rsrs!
abração!
Adil,
ResponderExcluirimpressionante, sem dúvida. Parabéns.
Leitores,
alguma sugestão sobre meu post anterior? Que me dizem?
Sds.,
Manfrini
Adil, me desculpa usar o recurso do "comentário" para te fazer uma pergunta, mas é que cliquei em e-mail e deu servidor não encontrado.
ResponderExcluirGostaria de saber o que acha da Cannondale Flash Carbon 29er 3, estou pensando em comprá-la. Além disso estou na dúvida quanto ao tamanho também. Meu cavalo é 88cm, não sei se compro a 19" ou a 21".
Obrigado pela atenção.
Abraço
Meu nome é Felipe e meu e mail é lipeferraz@hotmail.com
Manfrini, eu iria de Scott se fosse competir e de Carve se fosse pra fazer cicloturismo.
ResponderExcluirAdil, primeiramente parabéns, pelo relato... Já sou um grande admirador do seu trabalho...e o que vc diz aqui, é praticamente "lei" pra mim se tratando de bike 29.
ResponderExcluirOutra coisa, vc sabe se os quadros mobs, ja chegaram?
Abraço.
Vanderson
Olá Aurélio, Hamilton e Tiago,
ResponderExcluirObrigado pelas sugestões.
Em breve faço um post falando sobre preparação, equipamentos e logística.
Abs,
Adil
Oi Luiz,
ResponderExcluirPara quem parte do Brasil, levar a bike no avião não custa 1 Real a mais. Sua passagem dá direito a levar em torno de 30Kg de peso total. Se você usar um mala-bike rígido eventualmente você poderá ultrapassar o limite. Eu usei um de pano reforçado com papalão dentro, foi leve e eficiente.
Abs,
Adil
Obrigado Maxwell por acompanhar a viagem completa no P29BR!
ResponderExcluirAbs,
Adil
Ótima idéia Claudio! Vou pensar no tema.
ResponderExcluirAbs,
Adil
Obrigado Manfrini,
ResponderExcluirÉ um prazer tê-lo no P29BR!
O Luiz Fernando que acompanha o blog há mais tempo me ajudou nessa resposta. De uma maneira geral, assino embaixo do que ele escreveu num comentário subsequente.
Se precisar de maiores informações, me escreva.
Abs,
Adil
Olá Felipe,
ResponderExcluirObrigado por acompanhar o P29BR.
Infelizmente o representante Cannondale no Brasil não é tão colaborativo e interessado quanto os de outras grandes marca presentes no nosso país, por isso, as Cannondales até o momento ainda não frequentaram as páginas do P29BR e consequentemente não posso falar muito sobre elas.
De qualquer forma, acredito que outras marcas estejam mais a frente em termos de geometria e desempenho, ainda que o visual da Flash Carbon seja fantástico.
Quanto ao tamanho da bike, se você mede mais de 1.90m, é melhor ficar com a maior.
Abs,
Adil
Luiz Fernando,
ResponderExcluirAdil,
muito obrigado.
Sds.,
Manfrini
Dilsinho, muito bom seu relato, parabéns e desde já fica a ansiedade pela próxima aventura.
ResponderExcluirQue Deus abençoe vc e sua família, que puderam comemorar mais essa vitória.
Paulinho "maraja"kkkkk
Valeu meu amigo Paulinho!
ResponderExcluirObrigado por acompanhar a aventura.
Abs,
Adil
Adil,
ResponderExcluirParabéns pelo relato. Tenho acompanhado seu blog nas ultimas semanas, primeiro porque estava procurando informações sobre as 29er, pois estava analisando a melhor compra possível para meu suado dinheiro.
Depois de escolhida a "escolhida" uma Spz HR Sport Disc que peguei essa semana, fiquei preso pelo relato de sua viagem pelo "Caminho". Que fascinante!!
Muitíssimo obrigado por partilhares as informações que me levaram a escolha de minha primeira 29, e também pelos relatos.
Abraços,
Ari (Floripa)
Adil, valeu pela aventura e por nos presentear com seus relatos. Faço coro com os colegas sobre dicas do que levar em uma cicloviagem. Estou planejando o caminho da fé brasileiro em julho, você tem alguma dica ou já fez o percurso?
ResponderExcluirkeep 29riding
Olá Ari,
ResponderExcluirObrigado por acompanhar o P29BR e curtir o relato da viagem.
Qualquer dúvida sobre aro 29", me pergunte.
Abs,
Adil
Olá Marcelo,
ResponderExcluirObrigado por acompanhar os relatos da viagem ao Caminho de Santiago.
Na verdade eu só fiz uma parte do Caminho da Fé de Tambaú até Águas da Prata. Te digo que não é nada fácil, além disso por mais organizado que seja, a estrutura é bem diferente daquela que você encontraria na Espanha, lá, por exemplo, você encontra água potável em quase todas as torneiras e fontes, aqui não é bem assim.
De qualquer forma, é uma viagem bem legal e você seguramente irá gostar, mas vai passar um pouco de frio.
Abs,
Adil