Cota mínima: 390 metros
Cota máxima: 1165 metros
Cruz do Peregrino após Santo Domingo de la Calzada
Ah, o clima europeu! Antes de narrar minhas aventuras, agora no terceiro dia de viagem, acho importante contar um pouco mais sobre as condições de tempo e temperatura no Caminho de Santiago. Quando decidimos as datas em que poderíamos viajar, bateu aquela preocupação em relação às altas temperaturas do verão europeu, os termômetros poderiam atingir facilmente os 40 graus centígrados. Na prática, apesar disso, o que ficou marcado para mim foi a incrível “friaca da manhã”. Simplesmente todos os dias, durante as primeiras horas de pedal o que predominava era um ar bastante gelado e quando havia vento, ele era cortante. Começava o pedal de jaqueta corta-vento e manguitos, esses últimos foram de grande utilidade. Me acostumei a usar os manguitos diariamente até por volta das 15 horas. Pode parecer exagero, mas eles eram eficientes contra o frio matinal e protegiam minha pele contra o sol do meio-dia. Claro que aplicava filtro solar com frequência, mas a tática dos manguitos me ajudou a não ganhar queimaduras de sol indesejadas. O clima todo particular no desenrolar da viagem trouxe com ele algumas curiosidades. A primeira é que eu podia carregar no alforge dianteiro meus amados chocolates Milka sem que eles derretessem nunca, a combinação do ar gelado da manhã com a cobertura plástica do alforge Topeak, funcionaram muito bem conservando um das minhas principais fontes de energia no Caminho. Para mim, outro fato curioso era que a temperatura e o sol por volta das 18 horas bombavam, como somente escurecia lá pelas 22 horas, tinha, por exemplo, que usar filtro solar em horários pouco comuns para quem está acostumado com o clima tropical sulamericano.
Na friaca da manhã
O albergue privado que escolhemos em Logroño ficava numa bonita praça cercada por prédios residenciais. Era gerido por um casal de simpáticos espanhóis que se revezava na árdua tarefa de cuidar e atender a não menos que 50 peregrinos. Dormimos em um quarto grande, repleto de beliches. O banheiro tinha uma área comum coletiva e cabines separadas (e apertadas) para as necessidades fisiológicas e o banho. Se imagine fazendo o “número 2” num lugar apertado e barulhento, posso garantir que a tarefa não era fácil.
Neste terceiro dia despertei sozinho por volta das 5 da madruga. Já não me sentia tão cansado depois de um jantar de primeira num dos muitos restaurantes de carnes da cidade, seguido de uma tranquila noite de sono. Já estava até me acostumando a dormir por volta das 22 horas, quando se apagam as luzes, situação de praxe nos albergues de peregrinos.
O primeiro segredo do peregrino é meio óbvio, mas de fato só me dei conta dele nesse terceiro dia, quando a frase “Deus ajuda a quem cedo madruga” começou a fazer todo o sentido para mim. O ideal no Caminho de Santiago é deixar os albergues no máximo às 7 horas da manhã, assim, mesmo que decida pedalar longas distâncias, não chegará tão tarde a seu destino, pois quanto mais tarde chegar, mais difícil será encontrar um lugar legal para se hospedar.
Percebi também nesse dia que a sinalização do Caminho de Santiiago dentro de algumas cidades grandes é um pouco falha. Me perdi um pouquinho para deixar o centro de Logroño, mas um simpático gari me deu as dicas certas para chegar ao parque municipal por onde o peregrino deve deixar a cidade. Trata-se de um local bastante agradável, cheio de verde e com trilhas bem cuidadas. O parque termina na bela Represa de La Granjera e aí começava então, entre parreirais, a primeira subida do dia em direção à cidade de Navarrete.
Represa de La Granjera
Voltando ao Caminho, depois de 10 quilômetros pedalados parei em Navarrete para tomar café da manhã numa lanchonete. Enquanto saboreava um delicioso suco de laranja espanhola acompanhado de um donut, tive um dos melhores insights da viagem. Me liguei que deveria vestir meu bretelle adicional sobre aquele que já estava usando, ou seja, pedalar com duas bermudas. Confesso que a partir daí minhas “partes baixas” começaram a comemorar, talvez o maior incômodo da viagem tinha se resolvido. Depois disso os dias se passaram e mesmo pedalando altas quilometragens seguidamente, o desconforto de passar horas no selim estava remediado e mais um segredo do Caminho descoberto.
Após mais 18 quilômetros adentrei à cidade de Nareja, situada na encosta de um conjunto de montanhas que lembrava algumas falésias que conheci no Rio Grande do Sul, logicamente que a minha rota cruzava essas montanhas, começando com uma subida com consideráveis 9% de inclinação. Ultrapassado mais esse obstáculo natural, adentrei um trecho bastante seco e relativamente plano, onde além de cruzar com dezenas de outros peregrinos, ainda tive o prazer de conhecer vários ciclistas locais que treinavam na região. O mais incrível é que havia vários bikers com idades acima dos 50 anos, comprovando a vocação espanhola, um país muito tradicional no Ciclismo, onde a idade não é considerada empecilho à pratica do esporte.
Encontrando peregrinos após a seca Najera
Campo de girassóis em Cirueña
Foi engraçado, pois apesar de apenas ter mudado de estado (comunidade autônoma)parecia ter entrado em um outro país dentro da própria Espanha. Achei o povo diferente, mais simpático. Logo no primeiro povoado encontrei o melhor ponto de parada de todo o Caminho, em Redecilla del Camino fui recebido por uma simpática senhora no posto de informações turísticas, uma agradável construção de madeira que contava com banheiros, máquinas de guloseimas e bebidas, internet gratuita e até um local para lanchar. Após três dias de pedal meu pequeno estoque de gel e energéticos estava terminando. Aproveitei então, antes de deixar o posto, para tomar algo, comer algumas fatias de chorizo e, como sempre, alguns pedaços de Milka.
A partir de Redecilla, apesar do trajeto do Caminho correr paralelo a uma estrada de asfalto perfeito, estava com a corda toda e preferi seguir rigidamente a rota do peregrino, subindo sempre e passando dentro de todos os pequenos povoados que levam até Villafranca, aos pés da cadeia de montanhas conhecida como Montes de Oca. Decorridos quase 90 quilômetros e a Scott Scale 29 Pro se comportava maravilhosamente bem, eu estava rodando numa cadência ótima, sem nenhum furo nos pneus ou problema técnico, exceto pelo trocador dianteiro SRAM X.7 que fazia um barulho estranho ao subir as marchas e dava sinais claros de que não aguentaria o uso pesado ao qual estava sendo submetido.
Scott Scale 29 Pro com os Montes de Oca ao fundo
Vencido mais esse obstáculo natural, segui por um trecho incrível, descendo entre árvores até a histórica localidade de San Juan Ortega, onde há um famoso mosteiro, além de um simpático albergue cheio de jovens. Para aqueles que pretendem apreciar o patrimônio artístico do lugar e conhecer gente do mundo todo, recomendo.
Igreja na bonita San Juan Ortega
Mais uma vez o cenário mudaria, a divertida descida continuou até a chegada das escavações da Sierra de Atapuerca, um rock garden extremamente técnico em subida por dentro de um sítio arqueológico. Mesmo depois de ter pedalado mais de 110 quilômetros consegui zerar esse difícil aclive. Credito meu sucesso num terreno tão complicado, diretamente ao fato de estar pedalando uma boa 29er e transportar pouca bagagem. Voltei a 1050m de altitude e finalmente pude enxergar a grande cidade de Burgos ao fundo. Faltava pouco para cumprir a ambiciosa meta do dia.
Rock garden surreal na Sierra de Atapuerca
Continue acompanhando no P29BR os relatos da cicloviagem ao Caminho de Santiago.
Keep 29eriding!
Mais fotos em meu Facebook.
Muito bacana a Trip Adil.
ResponderExcluirEsse frio matutino lembra um pouco o que acontece aqui no sul.
Otimo conto como sempre!!!
ResponderExcluirEstava muito calor mesmo!!!!
Nas pedras com meus 20kg de alforges, foi dificil!!!
laurent
Olha o crossposting:
ResponderExcluirAcabei de ler o relato e curti demais "Os segredos do Caminho" (versão ciclista, é claro).
Impressionante a mudança de visual! Paisagens maravilhosas, sem dúvida.
Engraçado foi perceber uma ligeira mudança no seu modo de escrever. Acho que até o momento, essa foi a parte mais "apaixonada" do Caminho.
Pode ser só impressão minha, mas esse sentimento que você passa, as vezes de forma implícita, sobre o (crescente) entendimento de sua relação com o Caminho tem ficado cada vez mais "romântico" e está instigado a curiosidade de saber o final dessa aventura e, mais do que isso, saber o que foi que mudou no Adil depois de uma viagem tão bela e (imagino) tão cheia de significado!
Tô curtindo demais, brother! Manda logo os outros! hahaha!
Mais uma vez, te parafrazeando: Keep 29eriding!
Oi Fernando,
ResponderExcluirIsso mesmo, uma friaquinha persistente na manhã.
Abs,
Adil
Valeu Laurent,
ResponderExcluirO trecho das pedras foi dureza mesmo.
Abs,
Adil
Fala Fabião,
ResponderExcluirCrossposting foi ótimo.
Abs,
Adil
Adil!! Que viagem maravilhosa!! Estou maravilhada com suas fotos também!
ResponderExcluirNão vejo a hora de ler o restante do relato!
Obrigado aos amigos Maya e Fábio,
ResponderExcluirO incentivo de vocês é muito legal, já estou me sentindo um verdadeiro cicloescritor.
Abs,
Adil
Olá Adil,
ResponderExcluirParabéns pela tua viagem e pelo blog. Os testes e comentários das 29er são muito bons e imparciais.
Aproveitando o tema de cicloviagem gostaria de relatar a minha, de travessia dos alpes de mtb. Existem inúmeras rotas, a que fiz foi seguindo a descrição deste site: http://www.transalp.info/english/albrecht-route/index.php
Infelizmente estas rotas não são tão famosas pq normalmente a literatura é em alemão. Mas foi puro mtb, sigle treks, subidas de 2000m de altitude acumulada, etc. Fica aqui a minha recomendação.
Abraços
Olá Lucas,
ResponderExcluirObrigado por acompanhar o P29BR.
Sensacional essa viagem pelos Alpes, obrigado pela dica!
Fazer a viagem a bordo de uma 29er seria perfeita ;-)
Abs,
Adil
Eu sei que a paisagem e iluminação ajudam, mas que fotos lindas você tirou...
ResponderExcluirO relato tá cada vez mais refinado, parece que o entrosamento corpo/alma/bike dia a dia vai só aumentando!
Abs
LUCAS... poderia me passar seu email?
ResponderExcluirpreciso de informações sobre sua travessia dos alpes.
Sim "Anônimo", por favor identifique-se ou envie o teu e-mail.
ResponderExcluirCertamente posso te ajudar.
Lucas
Lucas,
ResponderExcluircnatto@bol.com.br
Valeu!
Valeu Claudio, te agradeço pelas palavras!
ResponderExcluirEm breve publico o quarto dia de viagem, o trecho entre Burgos e Sahagún.
Um abraço,
Adil