De Cizur Menor a Logroño - 89Km
Cota mínima: 397 metros
Cota máxima: 780 metros
Ah, os albergues! Antes de narrar minhas aventuras no segundo dia de viagem, acho importante contar um pouco mais sobre as opções de hospedagem no Caminho de Santiago. Os albergues de peregrinos, que existem em praticamente todas as cidades atravessadas pela Rota Jacobéia, podem ser públicos ou privados. São aceitos nesses albergues apenas hóspedes que estão de fato em peregrinação. Na entrada é exigida a Credencial do Peregrino e o pagamento de uma “diária”, que nada mais é que um pernoite, com valores variando entre 6 e 10 Euros. O ideal é chegar ao destino planejado no máximo até às 19 horas de cada dia, chegando mais tarde que isso já começa a ser mais complicado encontrar vagas nos albergues, lembre-se que o Caminho de Santiago é uma rota de peregrinação realizada diariamente por gente do mundo inteiro. Geralmente, os hospedes tem a obrigação de desocupar os albergues até às 8 horas do dia seguinte e nada mais! Uma regra comum em todos os albergues é que às 22 horas apagam-se as luzes. Não existe um albergue de peregrinos nitidamente melhor que os outros, normalmente todos oferecem banho, máquina de lavar e cama. Alguns banheiros tem área comum coletiva, outros são privativos. Todos os que visitei contavam com um local seguro para guardar as bikes. Computadores com internet são um plus na maioria deles. Roupas de cama e cobertores, em alguns somente. Todo o extra dentro dos albergues geralmente é pago à parte, como por exemplo o sabão em pó, secadora de roupas, o uso do computador, etc. Não se preocupe, tudo é bem baratinho, muito mais barato que num hotel, além disso, se hospedar num albergue é sem dúvida a melhor forma de viver 24 horas por dia o Caminho, conhecendo gente do mundo inteiro, recebendo dicas valiosas e trocando experiências de fé e superação.
No caso do albergue em Cizur Menor, fomos os últimos a chegar na quarta-feira, assim sem querer, demos a sorte de ficar em um quarto enorme com 15 camas só para nós dois, pois os outros quartos já estavam com 100% da capacidade utilizada. Tomamos banho, colocamos as roupas para lavar e secar. Jantamos e então aproveitei para corrigir o problema do suporte do alforge dianteiro que teimava em abaixar, por sugestão do Laurent utilizamos um pequeno pedaço de papel como calço entre o suporte e o guidão, deu certo. Fizemos pequenos ajustes nas bikes e então tivemos uma noite tranquila. Ainda não tínhamos nos dado conta de uma regra básica do peregrino, levantar cedo e partir o antes possível. Nesse segundo dia fomos os últimos a deixar o albergue, praticamente às 8 horas da manhã.
Se o primeiro dia de viagem é o Dia do Deslumbramento, quando descansado e cheio de adrenalina você encara com muita motivação os desafios impostos pelo Caminho. Considero o segundo dia como o Dia do Questionamento. Por mais preparado que estivesse e mesmo após uma boa noite de sono, parecia que um trator tinha passado sobre mim, sem contar as inúmeras preocupações afloravam em minha mente. As dez horas de pedal do dia anterior transformaram neste segundo dia meu Fizik Aliante, até então confortável, num selim difícil de sentar por conta daquela “tradicional dor lá embaixo”. Aqueles que eventualmente passam horas demais no pedal conhecem bem! Além de tudo as dúvidas inevitavelmente aparecem mesmo na cabeça dos mais preparados. Será que vou conseguir terminar o Caminho? Será que vou aguentar as dores? Será, será será...
Dores e dúvidas à parte, iniciamos a pedalada com um pouco de fome, visto que nenhum albergue oferece café da manhã ao peregrino. Rodamos uns 5 minutos e avistamos uma placa indicando uma padaria dentro de um bairro residencial de Cizur Menor. Não pensamos duas vezes e fomos até lá para “desayunar”. Demos sorte, a padoca era ótima, os salgados e doces deliciosos, o suco de laranja natural espanhol também vale muito a pena. O curioso é que as férias de verão do europeu ainda nem tinham chegado à metade, por isso haviam inúmeras pessoas voltando da balada, plena quinta-feira pela manhã.
Bem abastecidos saímos para enfrentar de cara o desafio de transpor o Alto del Perdón, uma subida que chega a apresentar até 15% de inclinação em sua parte final e nos levaria ao ponto mais elevado deste segundo dia, a 780 metros de altitude. No pé do morro, entramos num divertido singletrack e atravessamos o primeiro entre dezenas de campo de girassóis que acompanharam nosso Caminho. É incrível o efeito positivo que uma paisagem dessas tem sobre você. Esqueci das dificuldades, continuei escalando e comecei a avistar grandes hélices de energia eólica posicionadas no cume das montanhas à nossa frente. Fiquei imaginando se chegaríamos até lá e não deu outra. Bem no alto uma cruz e um lindo monumento aos peregrinos. A vista era maravilhosa e nos aguardava um downhill inclinadíssimo, lotado de pedras soltas. Depois de negociar a compra de três bananas de um vendedor estrategicamente posicionado no topo do morro, iniciamos a alucinante descida. Confesso que a Scale 29 Pro me insprirava muita confiança e instigava a soltar os freios, contudo nesses momentos o conselho que posso dar é não esquecer que existem alforges na bike, por mais louco que seja o downhill o mais sábio é pensar no equipamento, afinal existiam vários dias de viagem pela frente.
Passamos pelo povoado de Uterga e pudemos experimentar um pouco da vida na cidade pequena de interior na Espanha. Pouca gente nas ruas limpíssimas, casas muito parecidas com janelas dando direto para a rua e sempre uma igreja na praça central.
Seis quilômetros mais e chegamos à mística Puente la Reina, o primeiro centro urbano a se desenvolver ao largo da rota de peregrinação a Santiago. A cidade é conhecida como o ponto onde os diversos ramos do Caminho se unem em um único. O nome da cidade vem da majestosa ponte em arcos construída no Século XI a mando da Rainha, especialmente para ajudar os peregrinos a cruzarem em segurança o Rio Arga. A cidade foi governada do século XII ao XV pela famosa Ordem dos Templários, que recebeu o compromisso de acolher os peregrinos em trânsito para Santiago de Compostela.
Cheguei morrendo de fome, mas numa cidade com menos de 3.000 habitantes é mais complicado encontrar um supermercado. Entrei na primeira quitanda e comprei uma Coca-Cola, pão, queijo e chorizo fatiado para fazer um sanduba. Já sou fã de Coca-Cola, mas na Europa ela é particularmente deliciosa, acredito que seja por conta da água. O chorizo espanhol é sensacional também, trata-se basicamente de linguiça fatiada fina como um salame. Para completar, sou apaixonado por queijos e mesmo os mais “simples” vendidos lá são muito mais gostosos que a nossa mussarela, por exemplo. Para fechar, não existia o nosso pão francês naquela região da Espanha, na quitanda a senhorinha bem espanhola, ou seja, pouco simpática, me vendeu metade de um filão (aquele tipo de baguete sarada que nosso avô comprava antigamente na padoca). Mesmo assim, o pão era enorme. Comi metade e a outra metade do sanduíche viajou comigo no meu bolso de trás da camisa o resto do dia. Essa metade restante chegou meio mole e amassada no meu destino final do dia, mas ainda assim a fome era tanta que mesmo 6 horas depois o sanduba ainda estava ótimo...pelo menos para o meu referencial naquele momento.
Voltando a Puente la Reina, esse é mais um daqueles lugares fantásticos que fazem parte da Rota Jacobéia. Quando chegamos, estranhamente todos os habitantes estavam vestidos de branco com um lenço vermelho no pescoço. A cidade inteira parecia estar em festa, crianças correndo, mesas com vinho e comida em frente as casas, além de uma arena de touros improvisada na praça central. Ficamos sabendo que haveria uma corrida de touros nas ruas de Puente la Reina, algo que os não-espanhóis condenam, mas que todos lá levam muito a sério. Quando deixamos o lugar já começavam a fechar as portas da cidade para então soltarem os touros.
Apesar da altimetria dos mapas da região não parecer das mais difíceis, o trecho de Puente la Reina a Cirauqui foi particularmente pesado. Sob um sol forte, na primeira e longa subida não havia nenhum ponto de sombra. Um trecho que se mostrou bastante cansativo e nos castigou consideravelmente.
Estávamos os dois usando os ótimos pneus Schwalbe Rocket Ron 29x2.25 convertidos para tubeless. Infelizmente depois de Cirauqui o Laurent teve seu primeiro furo, ou melhor, um rasgo no pneu traseiro. Paramos, ele colocou uma câmara e seguimos por um sobe e desce que parecia não terminar nunca. Parei para o “almoço” numa taverna em Lorca, foi uma apetitosa tortilla e Coca-Cola.
Então o Caminho nos levou à importante cidade de Estella, onde havia um número grande de peregrinos e turistas. Fundada no ano de 1090, Estella conta com um patrimônio histórico dos mais importantes e como curiosidade, por conta de uma das muitas lendas do Caminho, adotou Santo André como padroeiro.
Almocinho em Lorca
O cansaço acumulado desde Saint-Jean Pied de Port, as dores musculares e o sol absurdamente forte, juntos fizeram desse trecho, particularmente para mim, não o mais difícil, mas talvez o mais cansativo da viagem. Sendo assim, consultei os mapas e percebi que o trajeto até Logroño, destino final do dia, coincidia em muitos pontos com a estrada N-1110 ou na pior das hipóteses seguia paralelamente a ela. Decidi então seguir por essa rodovia asfaltada até as imediações de Logroños, assim chegaria mais cedo, poderia descansar mais e me preparar melhor para a maratona de 130 duros quilômetros que me esperavam no dia seguinte.
As principais estradas espanholas tem o prefixo “A” para Autoestradas, onde não são permitidas bicicletas, e “N” para as Nacionais. Em geral, hoje existe sempre uma Autoestrada seguindo relativamente em paralelo a uma Nacional, cruzando os principais destinos da região, isso significa que a grande maioria dos motoristas trafega pela Autoestrada e a Nacional, como a N-1110, praticamente não tem trânsito. Imagine agora pedalar por uma paisagem linda, numa estrada com asfalto perfeito, praticamente sem se preocupar com o tráfego dos carros. Posso dizer, é simplesmente demais, uma sensação que mistura liberdade com o prazer de pedalar. Meus amigos e companheiros de cicloturismo, Fábio Tux e Mayara, iriam amar. Falando em amor, nesse trecho encontrei com um casal holandês viajando em Lua de Mel pelo Caminho utilizando bikes de Speed . Para aqueles que preferem usar uma híbrida, ou mesmo uma bike de estrada, o Caminho de Santiago pode ser integralmente realizado alternativamente por meio de vias asfaltadas.
Mais uma vez não tive problemas técnicos e cheguei à bonita Logroños por volta das 16:30h, escolhi um albergue privado como de costume. Pude descansar, visitar bike shops, conhecer a cidade e fechar a noite comendo como um rei por 16 Euros em um restaurante de carnes.
Continue acompanhando no P29BR os relatos da cicloviagem ao Caminho de Santiago.
Keep 29eriding!
Mais fotos em meu Facebook.
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Poxa, Adil...pode ter certeza que amaríamos fazer uma cicloviagem assim!
ResponderExcluirTô acompanhando os relatos/fotos, meio que "pedalando" com vocês!
O sabor de uma coca-cola geladinha no meio do pedal é algo inigualável, não?!?! hehehe!
Estão mandando muito bem, meu nobre. Só tô sentindo falta dos dados da trip (tempo/quilometragem/altimetria).
É isso aí, meu amigo! Tô aqui ansioso pela próxima parte!
Grande abraço!
E parafraseando você: "Keep 29eriding!"
Abração!
Que viagem fantástica! Como o Fá disse, amaria fazer essa trip! E pra ser sincera, a idéia já anda rondando nossas mentes!
ResponderExcluirContinue postando! É muito gostoso acompanhar a viagem de vcs!
Bjs!
Wow, rodaron bastante rápido esos 89 kms! No entendí bien lo de los caminos asfaltados.
ResponderExcluirHola Carina,
ExcluirEs así, si prefieres o tienes una bici de ruta, puedes hacer todo el Camino (o parte de) por carreteras pavimentadas.
Saludos,
Adil